sexta-feira, 11 de setembro de 2009
Quarta crónica: O forte português do Bahrein
O Bahrein que está no Golfo Pérsico é Tilos de Alexandre o Grande.
Vindos de Musandam e depois de passar por Ras-al-Khaimah e pelo DubaI não tivemos dificuldade em verificar que a notável obra que está a ser feita no forte português do Bahrein é digna de elogio. E essa referência é tanto mais positiva quanto é certo que a estrutura que aqui encontramos é muito semelhante a que funcionou na ilha de Ormuz .
A ampliação da fortaleza conquistada por Dom Antão de Noronha, em Outubro de 1559, leva-nos ao paralelismo com a Torre de Belém e ao progresso que esta representa. É uma unidade de defesa dotada de um mecanismo de protecção com três baluartes à italiana que a torna inexpugnável à semelhança do que acontecia aliás em Mazagão.
O forte, só quando foi abandonado em 1650 deixou de funcionar. Com o fim para que foi criado, proteger a presença portuguesa no golfo garantindo que o comércio do Indico não seria perturbado, mesmo assim o projecto de Albuquerque não pode ser completado uma vez que a entrada do Mar Vermelho, em Aden, não foi conquistada . Albuquerque pensava poder completar os objectivos económicos das Cruzadas mas o poder e a morte impediram-no.
Hoje falo-vos do Cairo, vindos da Jordânia e do deserto de Wadi Rum lugar em que a memória de Lawrence da Arábia está bem presente sobretudo quando se sabe que o autor dos Sete Pilares da Sabedoria foi o factor essencial para limitar a influência do Império Otomano no Médio Oriente durante a primeira Grande Guerra. O silêncio do deserto, o contacto com os beduínos, o chá de menta com cardamomo numa tenda , tudo isso nos põe em contacto com a natureza humana e com o monoteísmo.
A cidade de Petra, na Jordânia, de onde vínhamos, é um lugar mítico, mercê da arte de esculpir nas pedras vermelhas do deserto da cultura dos nabateus. A cidade esteve escondida do mundo durante séculos até que o suíçoJohann Ludwig Burckhardt a redescobriu em 1812 , essa maravilha .
Perante a fachada do tesouro celebrizada no filme de Indiana Jones ou a imponente representação do mosteiro, ficam muitas interrogações essenciais: quem construiu esta maravilha do mundo ?
Os nabateus inventaram a técnica os gregos e os romanos deram-lhes a imaginação e a arte e assim, temos resultado de uma encruzilhada mágica de várias influências.
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
Terceira crónica - Ormuz
“Afonso de Albuquerque nesse mês já distante de Setembro de 1507 , há quinhentos e dois anos , depois de ter conquistado Mascate, apontou para o seu objectivo fundamental : a conquista de Ormuz , cidade comercial e centro político que ligava o comércio da Ásia às rotas do Levante que iam do Mediterrâneo à Índia pelo Mar Arábico.
Já lembrei nestas crónicas que Marco Polo aqui esteve duas vezes e houve um português Frei Lourenço de Portugal que chegou a Ormuz ainda antes do veneziano .
Para Albuquerque , o controlo das entradas do sino Pérsico e do mar Roxo eram fundamentais para que o império português da Índia pudesse consolidar-se. Ormuz fica hoje no irão não o visitamos por segurança. O nosso objectivo foi visitar o sistema de defesa de Ormuz aproximando-nos o mais possível da costa iraniana. Instalamo-nos por isso na cidade de Khasab em Musandam ainda no Omã numa zona de montanha constituída pelas rochas sedimentares contemporâneas do Everest de formações singularíssimas resultantes do choque de duas placas tectónicas ocorrido aquando da explosão da Pangeia:
a Euro-Asiática e a Africana.
As montanhas do norte de Omã constituem um conjunto de fiordes que visitámos num cruzeiro de excepção a bordo do Sinbad, embarcação baptizada em honra do herói mítico do Sultanato de Omã. E essa viagem, em águas calmas e numa zona de alta segurança, permitiu-nos mergulhar na Ilha do Telegrafo onde os ingleses instalaram a base do cabo submarino em 1864, ver os mergulhões , os golfinhos e um fundo do mar absolutamente mágico com peixes e flora de mil cores . O horizonte da manhã não nos permitiu porém ver a costa do Irão e a ilha Ormuz, mas à tarde a neblina desvaneceu-se e vimos com emoção o desenho incerto da costa da Pérsia.
Em 24 de Outubro de 1507, Albuquerque começou a lançar os caboucos da nova fortaleza da cidade, mas nesse ano não teve condições para continuar. Só em 1515, o cavaleiro grande e forte Leão dos Mares, voltaria para tomar Ormuz por mais de um século. Tudo isso recordámos naquele momento especial , perante a costa do Omã , montanhosa , alcantilada, seca, constituída pela natureza por camadas implosivas e paralelas e à noite quando tudo escureceu abruptamente podemos recordar os habitantes Khumzar que dizem bandeira e batel que não nos receberam por causa do Ramadão. No entanto no século XVI foram os portugueses que os protegeram contra a ameaça dos persas .
A cidade de Khasab à nossa frente ficava iluminada pela lua bem cheia e bem presente.”
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
Segunda crónica - Mascate, capital do Omã
“Prometi na última crónica falar de Mascate. A cidade histórica recorda-nos o tempo em que esteve sob administração portuguesa , desde 1507 a 1650.
Os fortes de Jalali e de Mirani rodeiam hoje o moderno Palácio Real. A imagem do cartógrafo António Bocarro com a enseada , o porto de abrigo, a concha protegida pelos rochedos , é bem identificável, é impressionante a fidelidade. No fim da tarde com lua cheia com uma luminosidade turvada pela humidade gerada pelo calor intenso , Mascate é uma cidade das Mil e Uma Noites como se Sherazade tivesse contado mais uma história, esta sobre os portugueses companheiros de Afonso de Albuquerque.
Ontem tivemos a surpresa ao visitar Nizwa , cidade do interior onde os portugueses não estiveram. Surpresa de encontrar no forte da cidade um canhão com as armas portuguesas trazido certamente da costa e esse canhão tinha à sua volta a representação do colar do Tosão de Ouro e ao passarmos pela Mesquita de Barla , Anísio Franco lembrou bem que os gomos da cúpulas desta região estão representados nas guaritas da Torre de Belém ou não fosse esta construção de Francisco de Arruda , memória da conquista de Ormuz e da implantação do Império do Indico. Lá esta o Rinoceronte , Ganda, oferecido pelo Rei de Cambaia e enviado por Afonso de Albuquerque a Dom Manuel , Senhor da Pérsia e da Arábia. E como não lembrar também os gomos na nossa Quinta da Bacalhoa, graças à iniciativa do filho de Afonso de Albuquerque, Brás Afonso de Albuquerque.
Hoje , porém, o Sultanato de Omã projecta a sua história no futuro. A cidade moderniza-se, o turismo de qualidade é a grande aposta do Sultão , a investigação científica e a cooperação internacional estão na ordem do dia .
Dentro de 20 anos, a economia do petróleo ter-se-á esgotado, haverá gás natural, mas Omã prepara-se para as novas eventualidades.
Ao vermos uma porta manuelina no castelo de Mirani, ao lembrarmo-nos da decoração Torre de Belém, ao evocar a Arábia feliz e a Pérsia, ao recordarmos as vicissitudes da vida de Afonso de Albuquerque percebemos que a presença dos portugueses está em cada canto do mundo e lembramo-nos de que na outra costa do Mar Arábico , em Goa, está ainda a estátua de Afonso de Albuquerque, venerada pelos indo-portugueses apesar de tudo ter sido feito para apagar o seu exemplo da memória humana e ouvimo-lo : “ Mal com El-Rei por amor dos homens, mal com os homens por amor de El-Rei”.
Na próxima crónica falar-vos-ei de Ormuz , de Ormuz e de um grande encantamento!
Crónica de Guilherme d’ Oliveira Martins
Fotografia: CNC/Helena Serra
Primeira crónica - O início da viagem
Ao chegar a Mascate sentimos imediatamente o calor do deserto. Apesar de serem quase 11 horas da noite no Sultanato de Omã , estão mais de 35 graus na temperatura do ar. A hospitalidade é a primeira nota , a limpeza e a organização seguem-se naturalmente, o sumo de tâmaras é extraordinário.
Quinhentos e dois anos, dia por dia , depois do momento em que Afonso de Albuquerque conquistou a cidade a caminho de Ormuz , a Embaixada Cultural portuguesa vem com o espírito de paz e desejosa de conhecer melhor os marcos da nossa presença e de aprofundar as relações pacíficas com o sultanato.
Hoje não vos falarei de Mascate, capital do Omã, essas impressões ficarão para a próxima crónica. Falo-vos de Curiate e de Calaiate. No primeiro caso podemos reencontrar a fortificação subordinada pelos portugueses que foi reconstruída nos anos 90 do século XX e que é, com as alterações do tempo e a ausência dos baluartes, aquilo que conhecemos através da imagem de António Bocarro no livro das “Plantas de todas as fortalezas, cidades e povoações do Estado da Índia Oriental”. Lá estão as palmeiras e tudo em torno. E foi com contida emoção que todo o grupo do Centro Nacional de Cultura pode ver claramente visto o que há muito anda fora das representações dos monumentos da presença portuguesa no mundo.
A partir de 10 de Agosto de 1507 o “terrível” Afonso de Albuquerque, com quatro centenas de homens e uma armada de seis navios, subiu a costa da Somália e chegou à costa meridional da Arábia, Socotorá, Calaiate, Curiate, Mascate, Sohar e Corfacão. As cidades conquistadas ou submetidas assentavam a sua prosperidade no comércio dos cavalos árabes e na ligação entre o trato do Mar Arábico, a Rota da Seda e o mercado do Levante e temos de nos lembrar ainda que o sul do Omã junto ao Iémen era no tempo dos romanos a mítica “Felix Arabia” onde as legiões não chegaram por falta de dromedários e onde se produzia e produz ainda hoje o melhor, o único, incenso do mundo. Essa resina designada como “ Lágrima de Deus” cujo cheiro inebriante nos acolheu quando chegámos ao nosso magnifico hotel de Mascate.
Mas por hoje deixo-vos apenas uma última nota : é que aqui, no Golfo Pérsico, lugar estratégico para o comércio com o Oriente, porta do reino do Preste João das Índias, visitado por duas vezes por Marco Polo, foi um outro português a ser enviado pelo Papa Inocêncio IV, Frei Lourenço de Portugal, 27 anos ainda antes de Marco Polo.
Os portugueses sempre em primeiro lugar na senda da aventura!
Crónica de Guilherme d’ Oliveira Martins
Fotografia: CNC/Helena Serra